Uma das três comunidades baianas beneficiadas pelos decretos de regularização fundiária de quilombos, assinados nesta sexta, em Salvador, pelo presidente Lula, a comunidade de Nova Batalhinha, a 60 quilômetros de Bom Jesus da Lapa, passou o dia de sexta no seu pacato ritmo de vida rural. Agora, a expectativa das 21 famílias cadastradas pelo Incra que vivem no lugar, localizado a quase 800 quilômetros de Salvador, é receber a almejada titulação e ter de volta os parentes que abandonaram o local, há cerca de 30 anos, para fugir dos conflitos com fazendeiros.

Entre os moradores, a promessa é que uma grande festa será organizada no dia em que receberem o título da terra. O decreto assinado ontem foi publicado em setembro no Diário Oficial da União, mas ainda não há previsão de quando os títulos de propriedades serão entregues às famílias. As demais comunidades são Quilombola Jatobá, no município de São Francisco, e Lagoa do Peixe, em Bom Jesus.

A maioria da população que abandonou o lugar, na década de 70, viveu uma época de várias investidas de grandes proprietários rurais. Segundo os habitantes mais velhos, eles perseguiram duramente os remanescentes de quilombos.

“Ficamos acuados em um pequeno pedaço de chão, depois que perdemos quase todo o rebanho e ficamos ameaçados de morte”, relembra o aposentado Aureliano Ramos de Almeida, alegre por ter conseguido “resistir”.

Hoje, as cerca de 100 pessoas sobrevivem da pecuária e agricultura de subsistência, duas atividades castigadas pela estiagem nos últimos anos. “Muitas famílias se obrigaram a buscar meio de sustento em outros lugares. Esperamos que quando tudo estiver resolvido, eles possam voltar a viver aqui entre nós”, diz a aposentada Maria Ramos de Souza.

A telefonia celular e a energia elétrica são dois “luxos” que eles desfrutam há poucos anos. Uma das principais reivindicações agora é água encanada e tratada – na época de seca, a única fonte de abastecimento é o São Francisco, pois a comunidade fica a 9 km da margem.

A situação precária da estrada de acesso, asfaltada na década de 80, é outro problema da comunidade. Hoje, devido às condições precárias da via, o percurso de apenas 60 quilômetros até Bom Jesus da Lapa exige três horas de deslocamento. “Têm dias que os ônibus e carros não conseguem passar, a maior preocupação é quando alguém fica doente”, diz a aposentada Guilhermina Borges.

Na comunidade, não existe escola. “Por causa das dificuldades desta estrada, o aprendizado das crianças fica comprometido”, reclama a lavradora Adélia Araújo, 34 anos, que tem dois filhos em idade escolar. Os estudantes têm que ir até outros povoados próximos para o ensino fundamental e até a cidade, para o ensino médio e faculdade.

Cultura devastada - Vice-coordenador da Associação Quilombola Nova Batalhinha, Adenilton Borges de Almeida, 26 anos, lamenta que as complicações econômicas resultantes dos obstáculos que os moradores enfrentaram com seguidos anos de seca e a perseguição de latifundiários tenham influenciado negativamente na preservação dos traços culturais na comunidade.

“Na luta pela sobrevivência, essa parte ficou esquecida e não está tão presente no momento atual”, diz ele, acrescentando, no entanto, que existe um projeto de resgate, “para o qual estamos recorrendo à memória dos mais velhos”. Adenilton reconhece que existe esta necessidade “não só para a nossa geração, mas também para as crianças e adolescentes, que precisam ter esta referência cultural”.

Em outras comunidades de remanescentes de quilombos da região, muitas manifestações são preservadas. Uma delas é Rio das Rãs, também no município de Bom Jesus da Lapa e nas proximidades do Rio São Francisco.

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